quinta-feira, 3 de junho de 2010

“ REQUIEM “ PARA A POLÍCIA JUDICIÁRIA ?

“ REQUIEM “ PARA A POLÍCIA JUDICIÁRIA ?
A tentação política de “ acabar “ com a P. J que actualmente existe não é uma apetência de agora. Na verdade, essa vontade, que tem perpassado por diversos quadrantes político-partidários em Portugal, tornou-se numa realidade visível a partir do 25 de Abril de 1974 e que se tem perpetuado no tempo enquanto ideia, declaração de princípios ou de propósitos de membros de governo ou simplesmente uma manifestação de dirigentes de partidos ( deixemos de lado as opiniões de ilustres portugueses ).

Curiosamente, a existência da P.J., enquanto instituição enquadrada no Ministério da Justiça, nunca foi posta em causa no período de tempo que antecedeu o 25 de Abril de 1974. Na 2ª República, a P.J. manteve-se sempre como instituição policial inserida no Ministério da Justiça tendo tal posicionamento sido reforçado, nomeadamente com a nomeação, em comissão de serviço, de agentes do Mº Pº para os lugares de chefia das secções de investigação, os então denominados inspectores e que hoje assumem a designação de coordenadores de investigação criminal.

E sendo o Mº Pº uma instituição dependente, na altura, do Governo, aquela respirava, mau grado as críticas que hoje se tecem amíude, de uma autonomia funcional prática no mundo da Administração da Justiça difícil de se conceber num Estado de regime autocrático, ditatorial para uns e/ou fascista para outros ainda.

A P.J. era uma realidade inquestionável e incontornável nesse mundo da Administração da Justiça enquanto instituição autónoma das restantes instituições policiais e ( repete-se ) inserida no Ministério da Justiça desde a 1ª República quando ainda era designada por P.I.C. ( Polícia de Investigação Criminal ).

Depois do 25 de Abril começou-se a assistir, ainda que de forma larvar no início, a uma mudança de mentalidade nesta matéria e que, depois da entrada de Portugal para a União Europeia, se foi afirmando de forma mais aberta. Esta nova mentalidade passa por dois vectores fundamentais e que, em suma, se poderão concentrar em dois posicionamentos não antagónicos e provavelmente complementares: a saída da P.J. do Ministério da Justiça passando a ser tutelada pelo Ministério da Administração Interna ( MAI ) e a sua posterior extinção mediante a criação de uma “ Polícia Nacional “, sempre sob a égide do MAI.

Até há pouco tempo assistíamos a certos juízos formulados em jeito de intenções, quedando-se nessas meras intenções. Porém, receamos vivamente que tais intenções tenham aumentado de intensidade passando a assumir um cariz de inevitabilidade, de uma autêntica fatalidade.

E se agora levantamos a questão, é porque todos os factos, maiores ou menores, que aconteçem ou venham a acontecer no seio da P.J. irão constituir a refeição suculenta que servirá de fundamento sério ( ? ) para aqueles que, independentemente do seu posicionamento partidário, alimentam a ideia e a posição da criação de uma “ Polícia Nacional “, ou, no mínimo, apoiam a concentração das forças policiais nas mão do Ministro da Administração Interna, independentemente da pessoa que detenha a titularidade do cargo.

Historiando um pouco e de forma breve...

Faz mais ou menos vinte e sete anos que rebentou a primeira “ guerra “ entre ministros sobre a inserção da P.J. no Ministério da Justiça ( onde sempre esteve ) ou no MAI. E esse conflito assumiu foros de publicidade entre os contendores na altura, o então Ministro do MAI, Engº Ângelo Correia e o Ministro da Justiça, Dr. Menéres Pimentel. A querela passou rapidamente para a imprensa onde ambos os intervenientes manifestaram os seus pontos de vista.

Com o decorrer dos anos a questão não foi esquecida. Sem a cobertura mediática, as posteriores “ discussões “ processaram-se no recato dos gabinetes e corredores ministeriais.

E para aquecer ainda mais o ambiente, surgiu uma terceira força que, de forma implícita ( e posteriormente bem explícita ) entra na disputa da dominação da P.J. chamando a si uma certa legitimidade para a situação. Trata-se do Mº Pº, dirigido na altura pelo Dr. Cunha Rodrigues que, assumindo a posição de fiscalizador dos outros poderes, plasmado na Constituição e em leis sucessivas - com particular relevo para a Lei Orgânica do Mº Pº de então - , argumenta que a sua actividade só poderia ter êxito se a P.J. actuasse de acordo com as decisões que o Mº Pº tomasse. O desejo de possuir um “ braço armado “ que possibilitasse uma actuação eficaz e célere tinha um alvo óbvio: a Polícia Judiciária.

Posteriormente e aquando da campanha eleitoral para a Assembleia da República e de onde resultou uma maioria PSD-CDS, o então candidato a deputado e dirigente, Dr. Paulo Portas, opina que a P.J. deveria estar integrada no MAI. Seria, em resumo e no entender do mesmo, a solução para evitar a dispersão policial que, em sua opinião, não trazia resultados positivos ou, pelo menos, tão positivos quanto seria desejável.

Mais recentemente, no governo dirigido pelo Sr. Primeiro Ministro, José Sócrates, nova disputa terá havido sobre a inserção da P.J. ainda que em surdina ( mas não o suficiente que impedisse certos jornais de noticiarem o caso ) desta feita tendo como intervenientes o então Ministro do MAI, Dr. António Costa e o actual Ministro da Justiça, Dr. Alberto Costa.

E quais são os argumentos que, no decorrer destes anos, têm sido utilizados para apoio da posição de colocar a P.J. sob a alçada do MAI?

O primeiro atende primacialmente ao figurino que se pretende existir em toda a U.E. e que, resumidamente, assenta no facto de em quase todos os países que a formam não existirem várias polícias mas apenas uma e que, nessa perspectiva, Portugal teria de acertar o passo com os demais. E, numa tentativa de reforço dessa posição, referem o caso das experiências ocorridas em Espanha e na Bélgica onde, existindo outrora diferentes polícias sob a égide de diferentes ministérios ( foi o caso belga ), vigora hoje a realidade inquestionável de uma polícia nacional.

É óbvio que o argumento invocado é, em si e por si só, um mero argumento formal. E o que é formal vale o que vale, ou seja, vale muito pouco. Para além de que este argumento, que poderemos designar de “ seguidista “, não se alicerça em nenhuma razão substancial que, por si, traga algo de novo ou nos faça reflectir de forma honesta numa outra alternativa àquela que existe actualmente em Portugal. Fazer algo porque os outros o fazem é, valha a verdade, um fundamento extremamente pobre.

Porém, os adeptos de tal posicionamento não referem toda a realidade quando chamam a si os casos de Espanha e da Bélgica como exemplos de países que tiveram situações semelhantes às nossas. Com efeito, é patente e bem visível o desagrado, o descontentamento e até o arrependimento de inúmeras pessoas que tiveram responsabililidades no processo de mudança nesses dois países. É que o novo figurino não agradou aos polícias de qualquer das instituições existentes à altura, mantendo-se as clivagens e acentuando-se as fracturas que passaram a assumir novos contornos. E, valha a verdade, sem que tais metamorfoses tivessem contribuído para uma maior eficácia do aparelho policial no combate à criminalidade.

O segundo argumento alicerça-se em razões de natureza substancial mas, ainda assim, falaciosas. Referem os seus profetas que a dispersão das polícias por diferentes ministérios diminui a eficácia da actuação das mesmas já que estas, porque dirigidas por personalidades diferentes, não poderão responder com a celeridade desejada às necessidades da hodierna criminalidade. E mais... . Entendem que, com o actual figurino, há um maior esbanjamento de dinheiros públicos, um divórcio entre as diferentes polícias com tudo o que isso significa em deficiente circulação da informação, retenção das mesmas visando a não partilha com o “ inimigo “ a que acresce uma desnecessária rivalidade.

Entendemos que este argumento, bem mais sério do que o anterior, é perigoso porque assenta em pressupostos errados mas aliciantes. Mais entendemos que a perigosidade assume um grau extremamente elevado porque constitui uma tentação para a existência de um super ministro.

Comecemos pela eficácia ou a sua falta. Não consta que o actual figurino se tenha revelado mau e nem se constata qualquer deficiência digna de nota. Com efeito, as diferentes polícias têm cumprido o seu papel com nota bem positiva. E no que diz respeito à P.J., esta impôs-se à consideração e reconhecimento nacional e internacional. Porquê mudar então? Sempre tivemos como boa a máxima de que não se deve mexer numa equipa ganhadora e, a ser assim, não se vislumbram razões para que a P.J. tenha de mudar de “ dono “. É que até agora ninguém ( e é bom enfatizar o “ ninguém “ ) conseguiu apontar deficiências ao nível da eficácia da P.J. e muito menos referir, ainda que timidamente, que a mesma revela algum grau menos aceitável de eficácia. Porquê mudar então? A quem se pretenderia agradar ou presentear com tal medida? E porquê?

No que toca ao esbanjamento de dinheiros públicos, nem é bom falar nisso. É o que se lê e se vê na televisão quase todos os dias. E de tal sorte é assim que nos habituámos a fazer uma conta bem simples, ou seja, por cada anúncio de X milhões de euros para se proceder a uma obra ( nomeadamente pontes ) é só multiplicar o valor do orçamento previsto por dois para se saber quanto é que o Estado vai finalmente pagar. Por outro lado ainda ninguém fez contas credíveis que conclua que a actual situação comporta maiores gastos de dinheiros públicos.

E finalmente a questão de deficiente circulação da informação. Só quem não conhece a mentalidade de um polícia poderá arriscar raciocínio tão ingénuo. A retenção da informação ( que não significa a não exploração da mesma e que também nada tem a ver com sistemas informáticos de informação acessíveis às instituições policiais ) é algo que acontece em todas as polícias do mundo. Faz parte da maneira de ser e de estar de qualquer polícia. Basta atentar que dentro das diferentes instituições policiais esse “ secretismo “ existe. Pensar que a criação da uma polícia nacional constitui o remédio milagroso que obvie a tal situação é pensar “ quia absurdum “. É sobretudo julgar que se conseguiria num ápice mudar a mentalidade dos polícias que guardam informações para as trabalhar.

O que nos preocupa sobremaneira é que a “ vexata quaestio “ da transferência da P.J. para o MAI ou a sua extinção visando a criação de uma polícia nacional não é inocente e, bem ao contrário, assume o cariz de um verdadeiro processo de intenções. É, do nosso ponto de vista, um objectivo que com o decorrer dos anos se alicerça, ganha peso e consistência. Porém, tal mudança de situação poderá não ser do agrado dos cidadãos, sobretudo quando estes, neste caso particular, vêem a P. J. como uma excelente instituição policial, eficaz e altamente credível. Assim, constitui uma técnica recorrente divulgar, de quando em vez, para a opinião pública o desejo de proceder a alterações visando com isso que o cidadão comece a encarar a questão com menos animosidade, indo-se adapatando a ela, num processo de anestesiamento lento em que o tempo tem um papel fundamental, e, com isso, procurar criar um certo “ caldo de cultura “ que propicie uma aceitação de novas realidades.

Não nos iludemos. Esta é uma técnica, como dissemos, recorrente. E quando chegar a altura de tomar a decisão, não pensem os cidadãos que ouvirão as verdadeiras razões. O tempo tem-nos ensinado que nunca as verdadeiras razões são expostas. São, isso sim, divulgadas outras, de preferência assentes em factos recentes, que dêm uma força inquestionável à opção tomada. E o caso da extinção da P. J. belga faz disso um paradigma. Na Bélgica a decisão da extinção da P. J. já houvera sito tomada e o caso “ Marc Dutroux “ foi apenas o “ leit -motiv “ próximo que permitiu a nova realidade.

E, finalmente, não podemos deixar de pensar um pouco no passado para nos recearmos quanto ao futuro, caso se leve avante o projecto da criação de um polícia nacional ou se proceda à transferência da P. J. para o MAI. É que, mesmo no tempo em que Portugal foi dirigido por um regime autocrático, nunca se equacionou tal projecto. Repare-se que, com o Prof. Dr. Oliveira Salazar, a P. J. esteve sempre sob a alçada do Ministério da Justiça. Para um homem autoritário, tal realidade diz muito porque conferia a quem chefiava a P.J. de então a possibilidade da confirmação ( ou infirmação) das informações recolhidas por outrém e, dessa forma, evitar que um primeiro ministro se encontrasse refém de um qualquer ministro detentor de toda a informação.

A realidade que hoje se vive é simplesmente esta: o Ministro do MAI ( independentemente de quem seja ) possui duas instituições policiais ( a PSP e a GNR ) que lhe conferem um acervo de informações de grande dimensão e uma capacidade operacional sem precedentes ampliada por uma forte implantação logística no terreno, a que se junta uma outra ( o SEF ) com conhecimentos e meios de actuação em relação aos estrangeiros, devendo-se acrescentar ainda o serviço de informações por excelência ( o SIS ). É preciso ter mais poder daquele que já possui? Quer-se um super ministro?

Finalmente parece que o Governo resolveu ( mas resolveu mesmo ? ) o caso de uma outra forma. Não haverá, ao que parece, mudanças de ministérios ( evitando-se algumas zangas e amuos entre ministros ) nem a criação imediata de uma polícia nacional. Ao que se julga, o Governo resolveu criar um personagem chamado Secretário Geral do SISI ( Sistema Integrado de Segurança Interna ) que responderá directamente perante o Primeiro Ministro e que terá os poderes de controle, coordenação, direcção e comando operacional das forças e serviços de segurança. Está-se assim perante um esboço de um pseudo e mini Ministério de Polícia dirigido por um Ministro com o nome de Secretário Geral.

E assim voltamos ao que atrás diziamos. Lança-se a ideia para se auscultar as reacções, para que as pessoas comecem a interiorizar a nova realidade, anestesiando-as adequadamente visando o aceite da decisão final que é a criação de uma polícia nacional. O destino da P.J. e das outras instituições policiais está, em nossa modesta opinião, já traçado.

O que se acabou de dizer mantém toda a acuidade, provavelmente redobrada, face às recentes palavras do Director Nacional cessante, Dr. Alípio Ribeiro.

Na verdade, a ideia da transferência da P. J. para o MAI continua bem presente na mente quer de várias pessoas que detêm posições importantes e que dão a cara quer de outras que entendem deverem ser prudentes na visibilidade mas que, por certo, também manipulam as situações conducentes ao desiderato pretendido.

É que não entendemos como é que um Director Nacional da P. J. ousa tomar posição publicamente sobre a transferência da P. J. para o MAI quando, na realidade, deveria ser quem menos se deveria pronunciar sobre tal matéria ou, se o fizesse, o posição a seguir e a divulgar deveria ser bem contrária?! E porquê? É que não se enxerga que alguém que dirige uma polícia inserida num Ministério teça considerações públicas contrárias a essa inserção e ao arrepio da vontade ( assim o julgamos ) de um Ministro que nele confiou e por isso o nomeou para tal cargo!!! E também porque tal conduta assume um cariz surrealista quando, uma pessoa com responsabilidades tão grandes como são as de um Director Nacional da P. J., ousa tecer considerações publicamente em matéria que não é da sua competência mas sim do Governo já que é a este que compete definir politicamente a estratégia sobre esta matéria!!!

A acreditar que a intervenção do Sr. Director Nacional cessante da P. J. é da sua única e exclusiva iniciativa, temos que convir que de facto o mesmo se encontra demasiadamente cansado e perturbado.

Mas a não ser assim, haverá então toda a legitimidade para se pensar que a actuação do Sr. Director Nacional cessante da P. J. se enquadrará naquela política de actuação recorrente e atrás referida; ou seja, a de criar o tal “ caldo de cultura “ que leve o cidadão a aceitar aquilo que é pretendido por alguns. E a ser assim, quem estará por trás e que tão bem se esconde?

E foi ver, logo após as palavras do Sr. Director Nacional cessante da P. J., quem pressurosamente aproveitasse a situação ( confusão ? ) para reiterar o bom caminho proposto. Falamos da intervenção do Sr. Engº Ângelo Correia no programa da noite no canal 2 da RTP ocorrido na passada 2ª Feira dia 5/5/2008. E estamos seguros de que outros surgirão, abrindo desse modo os primeiros acordão do pretendido “ Requiem “ da Polícia Judiciária.

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