quarta-feira, 13 de junho de 2007

Derivas Governamentais Uma breve e pontual interrogação

in alamedadigital.com.pt

Fora de questão está que os governos saídos da expressão da vontade popular em eleições legislativas orientem a sua acção em harmonia com as opções ideológicas e linhas programáticas de actuação que as forças partidárias correspondentes apresentaram nas campanhas eleitorais que para o efeito promoveram.


A vontade popular, formada a partir do exame do conteúdo do que lhes é proposto e também do balanço que haja feito da actuação dos executivos precedentes (muitas vezes da do imediatamente precedente e não raro com base em questões pontuais, que não de fundo), escolhe para o seu futuro, ainda que de horizonte tão somente próximo, as opções que lhe foram colocadas.


É assim que, coerentemente, deve ser.


O poder executivo tem o dever de actuar em sintonia com a vontade popular manifestada.


Para o fazer detém, contudo, o poder de escolher as vias que entenda mais adequadas para alcançar os fins propostos, salvaguardada sempre a sua legalidade.


A averiguação da legalidade das actuações concretas dos governos, quer na produção das normas jurídicas que fazem emanar no uso dos seus poderes constitucionais, quer na preparação e subsequente prática dos actos e celebração dos contratos que directamente ou através dos diversos órgãos da administração pública que superintendem ou tutelam, assume, por isso, um papel decisivo.


Um estado de direito pode aferir-se pelos meios que de um modo efectivo disponibiliza para o asseguramento da legalidade.


Afigura-se-nos, contudo, não ser suficiente tal disponibilidade. Com efeito, esta tende a ser exercida “a posteriori”, essencialmente por via correctiva (quer pela via graciosa de reclamação ou de solicitação de intervenção do Provedor de Justiça, quer contenciosamente).


E remediar não basta. É necessário prevenir.


A prevenção da verificação de tais situações vem-se tornando cada vez mais premente em face da complexidade da actividade administrativa e da sua conexão com inúmeras questões levantadas pela vida moderna. Bastará atentar na defesa dos chamados “interesses difusos”, de que são exemplares as questões ambientais e de ordenamento do território.


Tudo isto a propósito da não muito distante publicação das leis orgânicas de vários ministérios (Decs-Lei 203/2006 a 215/2006, de 27 de Outubro).


Nelas, seguindo a directiva constante da alínea a) do número 5 da Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2006, publicada nem 21 de Abril, se entrega às correspondentes Secretarias-Gerais a missão de assegurar o apoio técnico e administrativo aos membros do Governo em funções neles, e aos demais órgãos e serviços neles integrados, no domínio [entre outros] do apoio técnico-jurídico e contencioso.


A despeito de longa e circunstanciada, na referida Resolução não se justifica a opção da outorga universal desta atribuição às Secretarias-Gerais, com a consequente eliminação da figura do “auditor jurídico”.


Inicialmente generalizada a todos os Ministérios, a entidade “auditor jurídico”, investida obrigatoriamente na pessoa de um magistrado do Ministério Público, tem conhecido vicissitudes várias, que vão desde o ser pura e simplesmente “ignorada” pela actividade ministerial e serviços que integram o Ministério ou remetida a “isolamento” (porque sem dispor da coadjuvação de meios humanos técnicos da área jurídica e/ou de meios informáticos em rede), até à constituição de interessantes e profícuas “auditorias jurídicas” por si dirigidas e pelo trabalho produzido responsável. Em muitos casos, quando da feitura da lei orgânica de cada ministério, esta entidade terá sido julgada “superiormente” como supérflua, e consequentemente deixado de nele existir.


Há que reconhecer que a figura do “auditor jurídico”, tal como concebida do antecedente, é controversa.


Em comunicação apresentada ao I Congresso Nacional do Ministério Público organizado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Publico em Maio de 1982 (“O Auditor Jurídico e a Defesa da Legalidade Democrática”, in “O Ministério Público numa sociedade democrática”, Lisboa, Livros Horizonte, 1984), o Dr. Artur Maurício chamava já a atenção para a contradição de princípio subjacente, por um lado, ao reconhecimento do movimento de institucionalização das Auditorias Jurídicas (centrado num Magistrado independente do Executivo) como uma decorrência do princípio de legalidade por que se deve pautar a Administração Pública e, por outro lado, entre outras, às circunstâncias do provimento facultativo do cargo de Auditor Jurídico, da sua audição facultativa, da natureza exclusivamente consultiva das funções, do carácter nunca vinculante dos pareceres emitidos, da ausência total de iniciativa por parte do Auditor.


A assinalada contradição faz com que o autor duvide de que o propósito do legislador executivo, pelo percurso que no âmbito da organização ministerial evidencia no que respeita à existência, faculdades atribuídas e operacionalidade que na prática casuística permite seja proporcionada às “auditorias jurídicas” confiadas a um magistrado independente, radique exclusivamente nos nobres princípios de isenção, de imparcialidade e de objectiva legalidade, vindo, a determinado passo, a exprimir o receio de que, em especial nos casos cuja solução maiores implicações assumam no plano político, o parecer de estrita legalidade emitido pela Auditoria apenas importe quando cubra ou sustente a decisão que, em termos políticos, convém.


Reflexão esta que nos permite inquieta extrapolação para o destino dos pareceres emitidos pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a solicitação ministerial, sujeitos como estão a homologação, ou não-homologação, pelo próprio órgão consulente!


Há que recordar que, nos termos da Constituição, “Ao Ministério Público compete representar o Estado (…) exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”, e ainda que “O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei”.


Estas vocação e independência constituem-se, por si sós, como uma garantia sólida para o exercício, nos vários estádios que a actividade administrativa comporta, da defesa da estrita legalidade.


Mas premonitoriamente, na citada comunicação do já longínquo ano de 1982, e perante factualidade indiciária que refere e “rumores que regularmente se segredam de que as Auditorias Jurídicas são órgãos em vias de extinção”, o Dr. Artur Maurício se questionava “será lícito perguntarmo-nos se estes factos não significarão que se lhes começa já a passar a certidão de óbito…”


A via consagrada na Resolução do Conselho de Ministros acima indicada acaba por confirmar tal premonição, inserindo-se aliás numa linha de conduta que com mais visibilidade ultimamente tem vindo a dominar. E que se traduz num crescente recurso, conduzido pelo Executivo e por diversos organismos da Administração Pública, à consulta jurídica externa, quer para sustentar opiniões ou decisões (o caso das leis do financiamento da administração local e da administração regional é emblemático) quer para a discussão de termos contratuais.


En passant”, poderá recordar-se a notícia veiculada pela imprensa da opinião expressa, em passado relativamente próximo, pelo ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. José Miguel Júdice, sobre a conveniência de consulta obrigatória pelas entidades públicas dos principais escritórios de advogados relativamente a determinadas questões do foro jurídico.


Não se tomando posição sobre a bondade da solução por que se optou, dado que se não apresenta fundamentada, haverá contudo que assinalar que ela conduz não só a um fraccionamento de posições jurídicas relativamente às matérias que em cada Ministério sejam objecto de análise, como ainda a uma maior proeminência da princípio da oportunidade sobre o da estrita legalidade em sede de preparação das decisões, decorrente inclusivamente do sistema hierárquico a que os múltiplos juristas que integram os quadros de pessoal dos Ministérios se encontram sujeitos.


Quando o Executivo vem clamando pelas parcerias empresariais com as Universidades, não se vê consagrada na Resolução do Conselho de Ministros em causa uma linha que aponte para conveniência de, também no domínio técnico-jurídico, se indicar preferencialmente a adopção institucional de tal via para a Administração Pública.


Não estamos a falar de consultas ou “encomenda” de trabalhos, ainda que a nível de preparação de diplomas legais, a ilustres docentes universitários, mas sim de protocolos institucionais com as Faculdades de Direito das Universidades Portuguesas, conferindo assim aos trabalhos produzidos uma visão mais alargada (e por isso mais sólida e confiável) e de perspectivas temporais mais dilatadas (o que se vem tornando cada vez mais indispensável), reflectindo mais adequadamente os interesses gerais prosseguidos, e com reflexo na segurança da defesa da estrita e objectiva legalidade e da dirimição contenciosa dos conflitos (poderá referir-se a tal propósito o caso dos exames susceptíveis de proporcionar o ingresso no ensino superior?).


A menos que o banimento das “Auditorias Jurídicas” sob a chefia de Magistrados do Ministério Público contenda com os superiores interesses de tal magistratura, como seja o da escassez de elementos que a integram, a solução encontrada mina a unidade de pensamento técnico-jurídico de defesa da estrita legalidade, que é indispensável seja exercida para o conjunto de todos Ministérios e é fortemente possibilitada pela hierarquização dessa magistratura, e enfraquece (em vez de lhe dar maior consistência) a posição do Ministério Público enquanto representante do Estado nos processos contenciosos. O reforço das atribuições e definição das áreas de intervenção necessária de tais auditorias jurídicas, da afirmação do carácter vinculativo dos pareceres por si emitidos e outorga de poderes de iniciativa aos Auditores Jurídicos seriam o corolário lógico e necessário na prevenção da defesa da legalidade democrática que constitucionalmente é atribuída a um Ministério Público independente.


É assim lícita a interrogação: em que verdade se fundamenta a Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2006 no que respeita à extinção das “Autorias Jurídicas” sob a responsabilidade de Magistrados do Ministério Público, independentes do poder político?

2 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

já está linkado como deve de see à Pastelaria. gracias
quanto ao post, isto é que é trabalhar!!!

Anónimo disse...

Sai Si Si
está a candidatar-se a ser arguida!!!!!!
Cuidadinho, mais um empurrãozinho e
vai novamente ver a luz aos quadradinhos....